Macro-jê

Línguas jês propriamente ditas (amarelo-claro) e outras línguas macro-jês (amarelo escuro) na atualidade. A área sombreada indica aproximadamente a área de provável extensão no passado

Macro-jê, também referido pelo etnônimo brasílico Macro-Jê, é um tronco linguístico cuja constituição ainda é consideravelmente hipotética. Em tese, está distribuído pelas regiões não litorâneas e mais centrais do Brasil, incluindo partes de todos os seus estados, exceto Amazonas, Amapá, Roraima e Acre, no Norte - bem como pequenos grupos dispersos em partes do Paraguai e da Bolívia. O Macro-jê é um dos dois grandes troncos linguísticos do Brasil, sendo o outro o tronco tupi.

Histórico

A partir do descobrimento do Brasil pelos portugueses, em 1500, os europeus passaram a ter um grande contato com as tribos tupi-guaranis que estavam dispersas por praticamente toda a costa brasileira. Os tupis-guaranis chamavam os indígenas falantes de outras línguas de tapuia – que, em sua língua, significava inimigo. Este vocábulo foi incorporado pelos europeus, que passaram a considerar que, no país, havia apenas duas grandes nações indígenas: a tupi-guarani e a tapuia.

Os tapuias, considerados pelos europeus como mais primitivos e de catequese e conquista mais difíceis, foram duramente combatidos e exterminados – e muitos dos povos e tribos então existentes desapareceram de forma tão completa que sequer existe registro direto de sua existência.

No século XIX, o cientista alemão Carl Friedrich Philipp von Martius percorreu grande parte do território brasileiro e propôs uma divisão dos índios brasileiros segundo um critério linguístico. Baseado nesse critério, criou o grupo gê, que englobava tribos que falavam línguas semelhantes e que costumavam autodenominar-se utilizando o sufixo gê, que significava pai, chefe ou antepassado. Um nome alternativo, segundo o próprio Martius, seria cram, pois, nesse grupo, também era muito utilizada a partícula cran (filho, descendente) para a nomeação das tribos. Grande parte das antigas tribos tapuias estava incluída no grupo gê.

Já no começo do século XX, os antropólogos passaram a rejeitar o nome tapuia e adotaram a denominação de gês para este grupo de famílias linguísticas. Em 1953, a Associação Brasileira de Antropologia adotou a forma jê em substituição a gê. Com a reforma ortográfica, que preconizava o uso de j em vez de g para os termos oriundos das línguas indígenas do Brasil, a palavra gê passou a ser grafada jê.

Povos e línguas do tronco macro-jê

Jolkesky (2016)

Classificação interna do tronco macro-jê (Jolkesky 2016):

(† = língua extinta)

Macro-jê

Nikulin (2020)

Classificação interna do tronco Macro-Jê (Nikulin 2020):

Macro-Jê

Clasificação para diferentes autores

O nome Macro-Jê foi proposto pela primeira vez por J. A. Mason para se referir a um amplo grupo de línguas do Brasil relacionadas às línguas Jê. W. Schmidt empregou inicialmente o nome Ges-Tapuya, e C. Loukotka o nome Tapuya-žé, com o mesmo sentido. Os subgrupos nomeados a seguir, de acordo com o estudo comparativo de Andrey Nikulin, formam uma macrofamília, mas detalhes de cada uma das hipóteses de classificação podem diferir de um autor para o outro, ver:

Influência na língua portuguesa

As línguas do tronco macro-jê legaram algumas palavras para a língua portuguesa, embora não de modo tão expressivo quanto as línguas do tronco tupi. Geralmente, são topônimos da Região Norte ou Região Sul do Brasil com origem na língua aquém, como Dueré ou na língua caingangue, como Goioerê, Xanxerê, Erechim, Chapecó, Erebango, Campo Erê, Goioxim, Nonoai etc.

Vocabulário

Alguns conjuntos de cognatos nas línguas macro-jê (Nikulin & Carvalho 2019: 263):

(Língua) filho dente barriga fome semente cabeça osso cinza
Xavante ’ra /ʔraː/ ’wa /ʔwa/ di(’i) /niʔ/ mra(m) /mrʌ̃m̚/ dzö; nhama /jʌm/ ’rã(i) /ʔrʌ̃j/ hi /hi/ ’ru(i) /ʔrúj/
Proto-Jê Central *kraː *kwa *di(ki) *mrʌ̃(m) *ɲʌ̃mʌ̃ *ɟʌ; *krʌ̃(j) *hi (?)
Proto-Cerrado *kra *jwa *tik *prʌ̃m̚ *cɨm *krʌ̃j *ci *mbrɔ
Proto-Jê *kra *jɔ *tik *prʌ̃m̚ *cɨm *krɨ̃ɲ *ci *mbrʌ
Proto-Maxakali-Krenak *kruk *juɲ *tɛk *prɨm *jam *krɨ̃ɲ *jɛt ~ *jɛk *proŋ
Maxakali kutok /ktuk/ xox /cuc/ tex /tɛk/ putup /ptɨp/ xap /cap/ putox /ptuc/ kup /kɨp/ putohok /ptuk/

Comparação lexical (Rodrigues 1986):

Português um braço flecha mel fígado cinza marido
Apinayé par pitxi pa mèñ ma mrò mien
Xavánte paara pano pa
Kaingáng pẽn pir pẽ (puñ) mỹng ta-mẽ mrẽi mèn
Maxakalí pata pytxèt pói pang pytok pen
Kamakã wade weto wãi
Purí txapere i-páin pun
Botocudo putxik pâng ku-pagn
Yatê fe, fet- fathowa felowa (feto)
Kipeá by, byri- bihe bo buiku bydi
Karajá waa wyhy bâdi baa bry-by
Boróro byre (mito) (boi-) (imedo)
Ofayé fara fyk fa
Guató pagwa
Rikbaktsá pyry txi-pa mẽk- mari-kta

Reconstrução

Ver também

Referências

  1. Dicionário Houaiss: 'macro-jê' (etnm.br.: Macro-Jê)
  2. Gomes, Raíssa (24 de fevereiro de 2021). «Tese sobre consolidação histórica do tronco linguístico Macro-Jê é reconhecida internacionalmente». UnB Ciência. Brasília. Consultado em 7 de setembro de 2021 
  3. «Brasil tem cinco línguas indígenas com mais de 10 mil falantes». Agência Brasil. 11 de dezembro de 2014. Consultado em 24 de julho de 2023 
  4. CHAIM, M. Aldeamentos Indígenas (Goiás 1749-1811). Segunda edição. São Paulo: Nobel, 1983. p. 47
  5. RODRIGUES, A. D. Línguas Brasileiras. Edições Loyola: São Paulo, 1986. pp.10,11
  6. Jolkesky, Marcelo Pinho De Valhery. 2016. Estudo arqueo-ecolinguístico das terras tropicais sul-americanas. Doutorado em Linguística. Universidade de Brasília.
  7. a b c Nikulin, Andrey (3 de julho de 2020). «Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo». Repositório UnB. Consultado em 30 de agosto de 2023  Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "Nikulin-Macro-Je" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  8. J. Alden Mason, The Languages of South American Indians, 1950, p. 287
  9. Schmidt, 1926, pp. 234-8
  10. Schmidt, 1944, pp. 2-6
  11. A língua kaingang. Disponível em http://portalkaingang.org/Lgua_Kaingang.pdf. Acesso em 27 de dezembro de 2013.
  12. Nikulin, Andrey; Fernando O. de Carvalho. 2019. Estudos diacrônicos de línguas indígenas brasileiras: um panorama. Macabéa – Revista Eletrônica do Netlli, v. 8, n. 2 (2019), p. 255-305. (PDF)
  13. Rodrigues, Aryon Dall'Igna. 1986. Línguas brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Loyola. (PDF)

Bibliografia

Ligações externas